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segunda-feira, 29 de março de 2010

Armando Nogueira:luto por um grande crque na arte da escrita

Hoje o jornalismo brasileiro perdeu um de seus maiores nomes, um "camisa 10" na arte de fazer coberturas na era de ouro das crônicas do jornalismo esportivo. Armando Nogueira lutava há dois anos contra um câncer em seu cérebro. Esta luta terminou na manhã de hoje, e Nogueira faleceu aos 83 anos.

Armando teve uma suprema importância para o jornalismo brasileiro. Com mais de 10 livros publicados, tanto que seu velório será realizado no estádio do Maracanã (RJ), onde terá seu nome eternizado no "Espaço Aramando Nogueira", localizado no acesso à tribuna de imprensa. A carreira do jornalista ainda inspirou na criação de um troféu que distingue o melhor jogador de cada posição no Campeonato Brasileiro.

Natural de Xapuri, no Acre, em 14 de janeiro de 1927, . Com 17 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou em Direito. Mas a paixão pelo futebol, que sempre o acompanhou, logo o levou para o jornalismo. Iniciou sua carreira de repórter no jornal "Diário Carioca", em 1950. Em 1954, cobriu sua primeira Copa do Mundo, na Suíça. Lá, flagrou uma briga entre o técnico da seleção, Zezé Moreira, e o ministro dos Esportes da Hungria. Aquela foi a primeira das 13 Copas que cobriu.
Também em 1954, Armando Nogueira foi testemunha ocular do atentado ao também jornalista e político Carlos Lacerda. No dia seguinte, assinou um artigo em primeira pessoa com seu relato sobre o fato, algo nunca feito antes.
Em 1957, após uma passagem pela revista "Manchete", trabalhou como repórter-fotográfico da revista "O Cruzeiro". Lá, ficou por dois anos, quando se transferiu para o "Jornal do Brasil", onde foi redator e colunista.
Jornalista cobriu seis Olimpíadas
Entre 1966 e 1990, Armando Nogueira ocupou o cargo de diretor de jornalismo da Rede Globo e foi um dos criadores do "Jornal Nacional". Em seus quase 60 anos de carreira, também foi comentarista esportivo do canal a cabo "Sportv", da Rede Bandeirantes e da rádio CBN.
No período em que trabalhou na TV Globo, participou pela primeira vez da cobertura de uma Olimpíada, em Moscou, em 1980. Cobriu ainda outros seis Jogos Olímpicos. Sua única ausência foi em Pequim, em 2008, quando já estava com diagnóstico de câncer.
" Ele foi um pioneiro. As pessoas esperavam o "Jornal Nacional" para se informarem sobre o Brasil e o mundo "
Em 2008, Armando Nogueira recebeu a medalha de Honra da Ordem ao Mérito de Comunicações das mãos do ministro Hélio Costa, pelos serviços prestados ao jornalismo brasileiro. Em 2009, o Botafogo o homenageou dando o nome do jornalista à sala de imprensa do Centro de Treinamento de General Severiano.
Em entrevista à emissora "GloboNews", o jornalista Silio Boccanera lembrou a importância de Armando Nogueira para a Rede Globo e o jornalismo televisivo no Brasil:
- Ele foi um pioneiro. As pessoas esperavam o "Jornal Nacional" para se informarem sobre o Brasil e o mundo. Vivíamos um período de censura muito intenso. Foi uma fase dura e Armando aguentou isso com energia, paciência e habilidade diplomática.
Em seu blog, o jornalista Juca Kfouri disse que "o Brasil perde um belo jornalista, mas, antes de tudo, um homem de bem, um enorme ser humano".
O ex-craque Zico, maior ídolo da história do Flamengo, também lamentou, em seu site, a morte de Armando Nogueira.
"Achava que em função dele ser botafoguense podia haver algum jeito diferente de tratar o Flamengo. Mas ele sabia separar muito bem isso e no dia da minha despedida fez uma crônica muito bonita (A última noite), emocionante. Armando Nogueira mudou a história do jornalismo. Espero que ele descanse em paz. Vai fazer muita falta."
Torcedor do Botafogo, definiu Garrincha como "o anjo de pernas tortas"
Armando era torcedor apaixonado do Botafogo. Eternizou diversas frases para expressar sua admiração por craques como Didi, Garrincha e Pelé. Sobre Garrincha, o definiu como "o anjo de pernas tortas". Sobre Didi, disse que seus passes eram tão traiçoeiros como "o olhar oblíquo de Capitu". Sobre o Rei do Futebol, disse apenas que "se Pelé não tivesse nascido rei, teria nascido bola".
Em sinal de luto, os jogadores alvinegros entrarão com uma tarja preta nesta segunda-feira, no jogo contra o Boavista, às 19h30m. O clube também decretou luto oficial de três dias.
Ao longo da carreira, Armando Nogueira escreveu dez livros, todos sobre esporte: "Drama e Glória dos Bicampeões", "Na Grande Área", "Bola na Rede", "O Homem e a Bola", "Bola de Cristal", "O Voo das Gazelas", "A Copa que Ninguém Viu e a que Não Queremos Lembrar", "O Canto dos Meus Amores", "A Chama que não se Apaga" e "A Ginga e o Jogo".

Apesar de ser um profissional da imprensa, o cara nunca escondeu sua paixão pelo Clube Botafogo.

Eis 10 frases de Armando Nogueira que marcaram gerações:
«Pelé é tão perfeito que se não tivesse nascido gente, teria nascido bola»«Para Mané Garrincha, o espaço de um pequeno guardanapo era um enorme latifúndio»«A tabelinha de Pelé e Tostão confirma a existência de Deus»«No futebol, matar a bola é um ato de amor. Se a bola não quica, mau-caráter indica»«Anúncio: troco dois pés em bom estado de conservação por um par de asas bem voadas»«Os cartolas pecam por ação, omissão ou comissão»««Heróis são reféns da glória. Vivem sufocados pela tirania da alta performance»«Tu, em campo, parecias tantos, e no entanto, que encanto! Eras um só, Nílton Santos»«O passe é devoção; o drible, inspiração»«Gol de letra é injúria; gol contra é incesto; gol de bico é estupro»
O site do Globo Esporte disponibilizou ainda a crónica que Armando Nogueira escreveu aquando o Brasil conquistou em definitivo a Taça Jules Rimet, no Mundial 1970, no México (4-1 a Itália, naquela que ainda hoje é considerada a melhor final de todos os tempos).

«E as palavras, eu que vivo delas, onde estão? Onde estão as palavras para contar a vocês e a mim mesmo que Tostão está morrendo asfixiado nos braços da multidão em transe? Parece um linchamento: Tostão deitado na grama, cem mãos a saqueá-lo. Levam-lhe a camisa levam-lhe os calções. Sei que é total a alucinação nos quatro cantos do estádio, mas só tenho olhos para a cena insólita: há muito que arrancaram as chuteiras de Tostão. Só falta, agora, alguém tomar-lhe a sunga azul, derradeira peça sobre o corpo de um semi-deus.

Mas, felizmente, a cautela e o sangue-frio vencem sempre: venceram, com o Brasil, o Mundial de 70, e venceram, também, na hora em que o desvario pretendia deixar Tostão completamente nu aos olhos de cem mil espectadores e de setecentos milhões de telespectadores do mundo inteiro.
E lá se vai Tostão, correndo pelo campo afora, coberto de glórias, coberto de lágrimas, atropelado por uma pequena multidão. Essa gente, que está ali por amor, vai acabar sufocando Tostão. Se a polícia não entra em campo para protegê-lo, coitado dele. Coitado, também, de Pelé, pendurado em mil pescoços e com um sombrero imenso, nu da cintura para cima, carregado por todos os lados ao sabor da paixão coletiva.

O campo do Azteca, nesse momento, é um manicômio: mexicanos e brasileiros, com bandeiras enormes, engalfinham-se num estranho esbanjamento de alegria.

Agora, quase não posso ver o campo lá embaixo: chove papel colorido em todo o estádio. Esse estádio que foi feito para uma festa de final: sua arquitetura põe o povo dentro do campo, criando um clima de intimidade que o futebol, aqui, no Azteca, toma emprestado à corrida de touros.
Cantemos, amigos, a fiesta brava, cantemos agora, mesmo em lágrimas, os derradeiros instantes do mais bonito Mundial que meus olhos jamais sonharam ver.

Pela correção dos atletas, que jogaram trinta e duas partidas, sem uma só expulsão. Pelo respeito com que cerca de trezentos profissionais de futebol se enfrentaram, músculo a músculo, coração a coração, trocando camisas, trocando consolo, trocando destinos que hão de se encontrar, novamente, em Munique 74.
Choremos a alegria de uma campanha admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes.

Orgulha-me ver que o futebol, nossa vida, é o mais vibrante universo de paz que o homem é capaz de iluminar com uma bola, seu brinquedo fascinante. Trinta e duas batalhas, nenhuma baixa. Dezesseis países em luta ardente, durante vinte e um dias — ninguém morreu. Não há bandeiras de luto no mastro dos heróis do futebol.

Por isso, recebam, amanhã, os heróis do Mundial de 70 com a ternura que acolhe em casa os meninos que voltam do pátio, onde brincavam. Perdoem-me o arrebatamento que me faz sonegar-lhes a análise fria do jogo. Mas final é assim mesmo: as táticas cedem vez aos rasgos do coração. Tenho uma vida profissional cheia de finais e, em nenhuma delas, falou-se de estratégias. Final é sublimação, final é pirâmide humana atrás do gol a delirar com a cabeçada de Pelé, com o chute de Gérson e com o gesto bravo de Jairzinho, levando nas pernas a bola do terceiro gol. Final é antes do jogo, depois do jogo — nunca durante o jogo.

Que humanidade, senão a do esporte, seria capaz de construir, sobre a abstração de um gol, a cerimônia a que assisto, neste instante, querendo chorar, querendo gritar? Os campeões mundiais em volta olímpica, a beijar a tacinha, filha adotiva de todos nós, brasileiros? Ternamente, o capitão Carlos Alberto cola o corpinho dela no seu rosto fatigado: conquistou-a para sempre, conquistou-a por ti, adorável peladeiro do Aterro do Flamengo. A tacinha, agora, é tua, amiguinho, que mataste tantas aulas de junho para baixar, em espírito, no Jalisco de Guadalajara.

Sorve nela, amiguinho, a glória de Pelé, que tem a fragrância da nossa infância.
A taça de ouro é eternamente tua, amiguinho.
Até que os deuses do futebol inventem outra»

Fonte: site o Globo

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